sexta-feira, 9 de maio de 2008

CHORORÔ FLAMENGUISTA!

“Bem aventurados os que choram, porque eles serão consolados”. (Mateus 5.4)

Deu uma tremenda repercussão o choro coletivo do time do Botafogo na final da Taça Guanabara (primeiro turno do campeonato estadual aqui do Rio de Janeiro). Os jogadores ombrearam-se em uma lamentação pela derrota infligida pelo Flamengo. A meu ver de telespectador a reclamação não era justa, pelos lances reclamados nunca tive dúvidas de que prevaleceu naquele jogo quem jogou melhor, dou méritos ao time rubro-negro.

Agora, logo em seguida, na mesma semana, o “demolidor” Souza, em um gol num jogo da Libertadores, comemorou chacoteando o choro botafoguense com arrogância e desprezo para com os seus colegas de profissão. Punição: nenhuma pública, a não ser a promessa de que, por conta dos ânimos exaltados, ele não participaria do jogo seguinte contra o Botafogo já no segundo turno do campeonato estadual.

A questão cresceu junto à hoste flamenguista com o canto em que se parodiava uma canção de amor ao time do Botafogo (“e ninguém cala esse nosso amor!!!”) que passou a ser entoado pela maior torcida do mundo no seguinte refrão: “e ninguém cala esse chororó, chora o presidente, chora o jogador, chora o torcedor!”. E na final do campeonato domingo passado (04/05/2008) num jogo eletrizante, o torcedor flamenguista saiu-se com essa pérola após o apito final na conquista do bicampeonato: “mamãe eu quero, mamãe eu quero mamar, dá chupeta para o Fogão não chorar”.

O desprezo para com o choro dos outros é recriminado na Bíblia. Até mesmo, porque tal postura indica “soberba” e Deus reserva um recado importante para os soberbos em Salmo 138.6: “Ainda que o Senhor é excelso, contudo atenta para o humilde; mas ao soberbo, conhece-o de longe”.

É impressionante, como Deus guarda sua ira para com aqueles que se desencaminham para esse sentimento pobre e pernicioso. Lembro-me de outro texto, agora em Provérbios 21.24: “Quanto ao soberbo e presumido, zombador é o seu nome; ele procede com insolente orgulho.”.

A zombaria do jogador Souza (e alguns outros) e da torcida rubro-negra acabou lhes custando um preço muito alto: o choro agora, da derrota frente à auto-suficiência. O técnico Joel Santana era para ser homenageado domingo passado, dia 04/05 com a conquista do título estadual, mas resolveu ficar mais um pouco até o segundo jogo das oitavas de final da Libertadores contra o lanterna do campeonato mexicano, América, num jogo que já começava ganhando de 4 x 2.

A entrada em campo do time rubro negro foi linda, apoteótica, presentes foram dados a Joel Santana, fogos, luzes da ribalta, enfim, tudo de pirotécnico, a vitória estava certa, diziam já os mais ardorosos torcedores. Eu estava no dia (07/05/2008) em um aniversário de uma das jovens de nossa igreja, e havia um ruidoso grupo torcendo efusivamente e eu comentando com outro jovem, vascaíno, “a pressão do América será total!”, eu dizia com ares proféticos.

Não precisou de pressão alguma, foram cinco chutes a gol e três entraram! Resultado final: 3 x 0 e Flamengo desclassificado da Libertadores. E o que houve depois?: chororó de Obina e de Bruno.

Não tem como, “um dia é da caça e outro é do caçador”, já dizia o ditado popular. A arrogância tem um preço muito alto. Se o time entrasse em campo com o coração empenhado em fazer um bom espetáculo e... depois, sim, fazer as homenagens merecidas ao técnico campeão, nada mais justo. Agora, fazer tudo antes, mexeu com os brios dos mexicanos que infligiram uma derrota histórica e tiveram como aliados à soberba delirante da direção do time rubro-negro.

Na vida, podemos fazer algumas aplicações extremamente pertinentes desse episódio futebolístico:

01) Quando o outro chora, se você não puder chorar com ele, ao menos respeite o seu choro.

A Bíblia nos recomenda em Romanos 12.15 b: “chorai com os que choram”. Mas, eu entendo que às vezes nossa humanidade insensível nos prega peças, impondo nossa insensibilidade para com o drama das pessoas, e devemos como dizia Leonard Ravenhil “chorar por não termos lágrimas para chorar”. E ao menos, se nos encontrarmos indiferentes ao choro do outro, a ponto de não chorarmos com ele, pelo menos façamos silêncio!

É muito duro quando fazemos riso de situações que custaram lágrimas ao nosso semelhante. Não podemos fazer circo das covas do nosso irmão! A dor dele é nossa dor, somos parceiros na esfera da humanidade e temos por obrigação humana, repito essa é uma causa humanitária, não apenas cristã, respeitarmos o sofrimento do outro. É o que dizia Santo Agostinho: “se você não puder ajudar, pelo menos mostre que você se importa”.

02) Não se julgue isento de em outro momento ser você o “chorão” da história.

É verdade, como um seminário que está fazendo maior sucesso entre os jovens batistas em nosso estado: “a fila anda, a catraca gira, e Deus sonda os corações”. As pessoas tem dificuldade de entender que a vida é processual. Hoje as coisas estão de um jeito, e amanhã poderão estar de outro jeito. Somos vez por outra, como dizia Lulu Santos, “como uma onda do mar”. E ai, e quando os papéis se inverterem o que você fará nas situações em que você não valorizou o tempo de choro do seu próximo? Nós somos rápidos no julgamento e lerdos no consolo, com isso, sempre julgamos que sempre estaremos em cima e nunca em baixo. É, mas a vida costuma ser muito dura para quem só rotula o outro e nunca se coloca para ser avaliado pelos mesmos padrões que avalia os outros.

Há vez por outra uma inversão de papéis que ninguém está imune. Pedro foi alguém que vivenciou isso na pele e aprendeu à duras penas o exercício da humildade. Ele certa feita disse para Jesus: “eu nunca o negarei”. Depois teve de amargar sua tripla negação antes do cantar do galo. O interessante é que os quatro evangelistas relatam esse fato (Mateus 26.69-75; Marcos 14.66-72; Lucas 22.54-62 e João 18.15-18, 25-27). Esse registro tão criterioso é para servir-nos de uma lição grandiosa: temos de nos cuidar das palavras pretensiosas que insistem em sair de nossos lábios, para não sermos traídos por elas. Eu temo e tremo diante de Deus em saber que, muito do que eu digo poderá se voltar contra mim, se eu não estiver consciente desse risco constante que eu corro.

03) Só se pode comemorar a ponto de ignorar o choro do outro, quando a possibilidade do meu choro não é considerada corretamente.

Caso a direção do Flamengo pudesse prever a maneira pífia que o time enfrentaria o time mexicano, guardaria a homenagem a Joel Santana para o dia seguinte em uma cerimônia fechada e reservada para amigos íntimos. Tenho para mim, que o próprio Joel Santana iria optar em ter encerrado seu ciclo de vitórias no Flamengo no jogo passado. Mas sabe o que acontece? As pessoas erram muito ao não prever a possibilidade da derrota. Não se esqueça disso: ninguém está mais longe da vitória do que quando não considera a possibilidade da derrota!

O próprio sucessor do Joel Santana, o jovem Caio Júnior ao ser apresentado ao time disse: “eu vim aqui para ser campeão do mundo!”. E agora, tem três dias para remontar a combalida equipe em sua motivação e auto-estima.

Amados e amadas, é bom celebrar as vitórias de nossa vida, agora não podemos nos esquecer de comemorarmos apenas quando o assunto já estiver consumado, e não houver possibilidade real do jogo virar ao contrário das nossas pretensões. A Bíblia nos recomenda à cautela: “Acautelai-vos e guardai-vos de toda espécie de cobiça...” (Lucas 12.15).

Que Deus nos livre de um espírito altruísta que sacrifica o cuidado para com a miséria do outro, e também de uma indiferença a ponto de haver deboche em questões que fazem marejar os olhos de um semelhante nosso.

Creio que o mundo seria bem melhor se todos nós carregássemos no bolso dois lenços, um para as nossas lágrimas, em nossas lutas cotidianas e sofrimentos da alma afligida pelo Diabo, a Carne e as circunstâncias e outro para emprestarmos solidariamente ao nosso próximo, a fim de minorarmos, ao menos simbolicamente, o drama de alguém que também foi criado pelo mesmo Deus que dizemos crer e amar em nossos encontros de adoração. Em outras palavras, adoração sem lenços para enxugar lágrimas é teatro de conveniências pessoais e não derramamento de nossas questões diante do trono do Pai.

Que haja em nossos olhos lágrimas para chorar. E que ao menos, choremos pela nossa incapacidade de compreender o choro dos outros, na maioria das vezes. E que, ao chorarmos também, creiamos no consolo que vem de Deus, aquele que um dia prometeu nos levar para um lugar onde Ele enxugará de nossos olhos toda lágrima, “e não haverá mais morte, nem haverá mais pranto, nem lamento, nem dor...” (Apocalipse 21.4).

Ezequias Amancio Marins (Igreja Batista Central em Japuiba, Angra dos Reis, RJ).

OBS. Nesse artigo eu procuro pontuar os princípios que devem servir para edificação de todos, não apenas dos torcedores rubro-negros, na realidade, uso o futebol aqui como metáfora da vida.