No inicio de 1997 eu fui preletor do Retiro de Carnaval do Ministério Jovem da Primeira Igreja Batista em Goiânia. E, naquele encontro eu refleti sobre algo que está pulsando o meu coração: o desafio que a igreja tinha à luz das transformações oriundas do pós modernismo de manter a sua simplicidade e o respeito às coisas simples de seu contexto. Eu tinha acabado de ler Rubem Amorese, sobretudo o seu livro "Icabode:.." e estava seriamente convencido de que uma mudança deveria acontecer antes que a igreja perdesse de vez o seu legado de comunidade fraterna e solidária.
Lendo recentemente um artigo para refletir sobre esse tema, vi que o autor, Gildásio Reis, havia sido muito feliz ao registrar que "a igreja moderna está sempre procurando se adequar ao que a clientela exige. Como afirmou o pastor Rubens (sic) Amorese: No mercado religioso não é Deus quem escolhe, mas nós é que o selecionamos na prateleira."[1]
Pense comigo: alguns de vocês certamente lembram-se das antigas Quitandas, elas possuem marcas interessantes de comparação com o perfil das "igrejas acolhedoras e fraternas" de um passado que precisa ser trazido de volta, veja comigo:
a) As Quitandas são marcadas pela credibilidade: compra-se pelo caderninho, não há conferência bancária, os "caloteiros" inexistem, até mesmo porque toda a vizinhança é conhecida pelo primeiro nome.
Eu vejo que credibilidade é o grande desafio da igreja do século XXI. Os escândalos agigantam-se, há uma profunda necessidade de uma reforma neste tempo, mas ela não terá pano de fundo doutrinário, mas sim moral. As igrejas estão cambeando para doutrinas esdrúxulas por falta de caráter cristão. A igreja local vem sendo desacreditada por parte de nossa sociedade sobretudo porque homens de Deus estão se afastando da seriedade de uma vida santa e digna de imitação.
Os escândalos são crescentes, e "onde há fumaça, há fogo", isso digo para dizer que se há perseguição setorizada por parte da mídia em relação ao público evangélico, é porque o mundo barbarizado olha para a igreja e quer enxergar alguma diferença, e quando não vê, escandaliza-se e joga pedras. Estamos vivendo os mesmos efeitos dos primórdios da cristandade quando Roma apossou-se do cristianismo tornando-o um braço do poder imperial.
Há uma grave crise de integridade em nosso meio! Isso me faz lembrar que El Grego, grande pintor da tenebrosa Idade Média que esteve pintando um quadro dos apóstolos em Roma. Quando terminou a pintura ele ouviu os gracejos de um grupo de cardeais que passaram pelo quadro e comentaram: "estão muito vermelhos os apóstolos..." E El Grego respondeu acertadamente: "eles estão corados de vergonha ao verem nas mãos de quem está a Igreja de Jesus". É o mesmo que pode ser dito hoje: comprometimento político esdrúxulo, finanças eclesiásticas mal geridas, dívidas impagáveis com credores ímpios, comercialização da fé (alguns artistas evangélicos dão mais autoridade a um contrato que assinam do que com a própria Palavra de Deus).
Todos os principais métodos de crescimento de igreja estão solidamente ancorados no pensamento de Donald McGavran, um missionário americano que sistematizou o pensamento de que deve-se elaborar uma pesquisa sociológica antes de ter uma ação ministerial em qualquer lugar que seja. Trata-se da eclesiologia sendo levada de cabresto pela sociologia.
Todo método de crescimento de igreja tende a desvalorizar pessoas, elas passam a ser usadas como "peças de engrenagem" no sistema eclesiástico. Questiono fortemente o fato de que a igreja precisa estar fazendo tantas mudanças pontuais em áreas vitais para atingir algo que a Bíblia diz claramente ser de prerrogativa divina: o crescimento.
b) As Quitandas são marcadas pela informalidade: o próprio dono é quem atende, a relação entre vendedor e freguês é cordial, quase que familiar. Quando alguém da família adoece, logo o quitandeiro tem conhecimento e a conversa é sempre amistosa e pessoal.
Penso também que a igreja deixou de ser Quitanda, na crise que temos hoje em relação ao excesso de formalismos na modo de trabalhar entre pastor, igreja, comunidade. Parece um paradoxo, mas ao mesmo tempo em que nossas liturgias vem sendo desengessadas com o cântico de músicas cada vez mais soltas (algumas soltas demais....) e vibrantes, fica difícil ao ímpio chegar ao coração da igreja, são muitos entraves burocráticos.
Num documento importantíssimo da igreja dos primeiros séculos, há uma descrição de como a vida dos cristãos naquele tempo refletiam beleza e simplicidade: "Encontra-se nos cristãos um sábio domínio de si, exerce-se a continência, observa-se o matrimônio único, a castidade é conservada, a injustiça é excluída, o pecado extirpado em sua raiz, pratica-se a justiça, a lei é observada, a piedade é apreciada com fatos. Deus é reconhecido, a verdade, considerada norma suprema. A graça conserva-os, a paz protege-os, a palavra sagrada guia-os, a sabedoria instrui-os, a vida (eterna) dirige-os, Deus é o seu rei". [2]
Mas hoje, infelizmente, os pastores estão se blindando, e estão preocupados em se exporem demais ao público. Há em determinados meios evangélicos no nosso país, facilidade maior para se falar com o Prefeito do que com o Pastor Titular de uma igreja "graúda", sobretudo no centro de nossas cidades! Há um afastamento do povo, que só é valorizado como mão de obra barata e massa de manobra para convencimentos interesseiros. É preciso que soe o alerta do Espírito de Deus: a igreja do Senhor precisa passar por um avivamento. E não há avivamento, sem reforma! A.W. Tozer vai dizer em um dos seus escritos: "É inútil grandes grupos de crentes gastarem horas e mais horas implorando que Deus mande um avivamento. Se não pretendemos nos reformar, também não devemos orar.”
Temos que diminuir as distâncias entre o púlpito e os bancos, entre quem prega e quem ouve, a relação tem de voltar a ser como a de um quitandeiro com o seu cliente, com base na informalidade, do bom humor, do interesse sincero pela vida. Precisamos aprender mais com os chineses, pois na China mesmo os pastores que são responsáveis por 3000,4000, e alguns 5000 igrejas são chamados apenas de "irmão" ou "irmã". Não há espaço na China para limusines, guarda costas, aparato tecnológico, eles são apenas homens e mulheres que servem ao Senhor desinteressadamente. E recebendo em troca, na maioria das vezes, perseguição e martírio.
Penso que é hora de nós, pastores, adotarmos o principio do despojamento, do termos apenas o suficiente para vivermos, esse gesto de entrega estará nos "esvaziando daquilo que estamos juntos e nos enchendo daquilo que estamos vazios", como sempre ora o Rev. Antonio Elias. A humildade precisa ser abundante nas nossas vidas, e infelizmente os pastores de hoje assemelham-se mais aos donos de supermercado (distantes, inalcançáveis, interessados apenas no lucro) do que quitandeiros (próximos, amigos, interessados no bem estar do freguês).
Essa reflexão me faz lembrar de um artigo de John Piper: "Utilize métodos, mas não confie neles; confie em Deus".[3] No texto Piper desenvolve flashs da vida do grande homem de Deus, George Mulller, alguém que dedicou toda a sua vida em serviço ao Senhor sendo, como referiu-se Jonathan Edwards acerca de David Brainerd, "uma vela que se queimou dos dois lados". A vida de Muller foi investida na ajuda aos menos favorecidos, aqueles que necessitavam diretamente de seu auxilio e serviço.
Piper apropriando-se desse exemplo, ampliou seu comentário em relação à missão da igreja. Nesse ponto ele diz textualmente: "... Fazemos planos. Elaboramos orçamentos. Ensinamos e aconselhamos. A tentação permanente é a de confiarmos nestas coisas e não em Deus, para agir com, por intermédio de ou sem estas coisas. Portanto, enquanto sonhamos a respeito de missões e de nosso ministério, utilizemos meios, mas confiemos em Deus. As promessas dEle são as únicas coisas seguras. Todos os nossos meios são falíveis".
A corrupção latente no ser humano impede que qualquer estratégia elaborada por ele tenha algum peso de valor eterno. Mas quando se pauta toda uma vida eclesiástica em um método importado, o resultado não é outro a não ser um dano de proporções irrefreáveis. Confia-se mais no método do que no próprio Deus! Com isso não estou dizendo que não exista pessoas piedosas trabalhando em algum modelo de crescimento de igreja, mas posso afirmar categoricamente que esse valor não é o principal. A ênfase na técnica é maior do que o apelo para o cuidado e desenvolvimento da piedade e a dependência ao Senhor.
c) As Quitandas são marcadas pela praticidade: não se tem muita variedade de produtos, vende-se apenas o essencial. Não há espaço para profundas dúvidas na compra do que quer que seja, afinal de contas, o quitandeiro sabe do que a sua comunidade precisa!
Uso essa palavra, “praticidade” com receio, porque não tem nada a ver com "pragmatismo" e sim com o principio de valorizar o que é essencial, abrindo mão do supérfluo.
Para me utilizar de uma definição simples sobre o que vem a ser o pragmatismo religioso vou me ater a uma fala escrita de Michael Horton, "é uma filosofia que empurra para a periferia uma série de princípios fundamentais e elege, como único fator relevante, a questão: “Isso funciona?”
Um triste exemplo de pragmatismo a serviço do movimento pentecostal (o ramo do protestantismo que mais cresce no Brasil) é Charles Finney, o avivalista que mexeu com as bases da teologia reformada, modificando-a seu bel prazer. Um dos seus pontos de vista podem ser compreendidos à luz dessa citação:
"Quando o homem se torna religioso - disse Finney - ele não recebe um poder que não tinha antes, ele simplesmente muda a sua vontade, e resolve seguir, agora, numa direção moral. Religião é obra do homem, não é um milagre e nem depende de um milagre em qualquer sentido; é simplesmente um resultado filosófico do uso correto de técnicas. O homem já possui, por natureza, toda a habilidade necessária para prestar perfeita obediência a Deus, portanto o objetivo do ministro é emocionar as pessoas até que se disponham a tomar essas decisões."
Está posto o perigo de submetermos nossa prática ministerial ao pragmatismo, negando a pergunta "isso é certo?", e afirmando a indagação "isso funciona?". Na base de todo programa que visa o crescimento numérico da igreja (incluindo "uma igreja com propósitos" repousa sobre essa base teórica. Na maioria das vezes os gurus de crescimento de igreja negociam os seus valores bíblicos, lançando mão dai de técnicas de persuasão emocional. Tais igrejas não praticam a fé em conversões (impulsionadas pela graça irresistível do Espírito Santo) mas sim em conversionismos (adesões de pessoas atraídas pela estrutura de culto, geralmente inofensivo em relação ao pecado e a ira de Deus sobre o pecador).
Um comentário:
Olá Pr. Ezequias, quero dizer que sou um autêntico leitor do seu blog, sertamente porque seus pensamentos, (Bíblico sertamente) tem me chamado a atenção.Deixe-me apresentar.Sou Pr. da Ass. de Deu. Sou um pastor subordinado(A um destes grandes) cansado dos nossos monopólios. Somente um (grande) é chamado o restante será sempre fantoches, sem direito a projetar algo para o crescimento, sem ter direito de receber revelaçães de Deus porque Deus só fala com eles,pensamentos de státus, somente eles podem ter grandes colegas pastores, não colocam a mão para fazer nada mais querem contas de tudo. Realmente não sei onde irão chegar com estes pensamentos. O que vemos hoje são colegas desanimados, congregações dirigidas por estes subordinados que não crescem, porque não há investimento nem encorajamentos. Só aparecem em ocasiões especiais onde á um grande volume de pessoas. As vezes coitadinho daquele pastor de uma pequena congregação que não ve seu pastor á mais de cinco anos ou, cangregação que sabem que existe somente pelo relatório da tezouraria. Termino dizendo: Realmente precisamos de quitandeiro. Ore por mim, e deixe Deus continuar te usando com poder na palavra. Em um futuro bem próximo irei me revelar, aguarde. Abração.........
Postar um comentário